AMANTES
Damáris Lopes
Sádica, a tarde esconde
dois entre escombros,
sem eira sem beira,
onde beiram quatro
ombros.
Nu descaso - puro
acaso,
amor maduro.
Terra molhada, telhado
seguro,
resquício de chuva,
é corpo suado,
promessa, travessura.
Roçadas as pernas
invadem as portas
das tortas paredes
que segredam tortura.
Ouvem, restrito,
fonético gemido
em cio animal.
Rosto surpreso
ao outro que é preso
pelo prazer,
feroz encontro carnal.
Sádica, a tarde esconde
dois corpos num desejo
e, mordem alucinados,
lábios que antes
seriam só beijos.
QUANDO OUTRA TE TOCAR
Damáris Lopes
Não te cales do amor ao
segredo
Sem o gemido que trará
a ti, o bem
Contrastes permitas sem
falso medo
Sob as plumas do
travesseiro que convém.
Talvez tilinte o
colchão de uma cama
Ou te impulsione a
força, pelo amor da hora
Faze então, do teu
corpo, gozo que proclama:
Esse amor não enterra o
de outrora.
Ao herdar as mãos de
mulher outra
No solto corpo como
amante quente,
Descubras carinhos, a
lembrança consente.
Perdido pois, em sonhos
de quem por ti foi louca
E, mesmo distante,
reconheces sem fim
Ao toque de outra
sempre sintas teu resgate a mim.
SUSSURROS
Damáris Lopes -
Tocas meu corpo e,
no concreto do
substantivo,
me digno a aceitar tua
pena.
Sei que em teu braços
morro e vivo,
não me transubstancio,
apenas.
Sou mais, muito mais
quando me ultrapassas,
e usas como
instrumento, meus ouvidos.
Perco instantes que
passam, porque me calas
quando teus sussurros
desalojam meus sentidos.
TALVEZ
Damáris Lopes -
Talvez sejamos
o não, o sim
o fim, o ideal,
a parte, o todo.
Talvez só sonho
a procura do local
Talvez a dúvida
do porque.
Talvez meu lugar
seja você.
RETORNO DE MIM
Damáris Lopes
Retorno com as
pálpebras mais inchadas
E, talvez, com um licor
amargo nos dentes
No peito de luta de
quem sonha com fadas
E por voluntária opção
semeia sementes.
Retorno como quem
esculpiu o desapego
E saltitou em pedras
por libertar cristais
Com pés feridos por
espinhos malévolos
Curados por flores que
morrem jamais.
Retorno com joelhos
esfolados pelos rogos
Em disfarces de
esparadrapos alheios
Pelos olhos de mim que
tanto espantaram
Coisas viradas,
sobrepostas em meus seios.
Retorno ao pátio
interno esbranquiçado
Onde vidraças exibem
nítida claridade
Onde o aroma fértil me
levanta, sacode
E aduba na mente a possível unidade.
Retorno ao piso em
tímida proeza
Lustrando o mármore um
tanto opaco
Mas baixada poeira, sob
teto de telha
Espaireço na rede,
retiro-me do cansaço.
PECADOR PEDÁGIO
Damaris Lopes
Rua abaixo, acho o
alimento,
pois tudo na vida que
careço,
tem forma, endereço,
preço.
Sequer, escapa
sentimento.
Rígido mundo! Febre
pela economia.
Mesmo sem índice, aqui
nada é de graça.
Olhar, saber, mera
quinquilharia,
até banco para namorar
na praça.
E no amor? Ah... amor,
quanto ágio!
Tanto, que o fatio e
dele saio fatiado.
Meu coração, coitado,
em eterno estágio,
vencido boleto, anda
protestado.
Ah...amor, que não
recupera,
ainda me toma devedor
por presságio,
reduz sempre à infinita
espera,
cobra e inflaciona seu
pecador pedágio.
TRISTE POMBO CORREIO
Damáris Lopes -
*para os amores que
tanto precisam da simplicidade.
Por ela:
Encontrei um
pombo-correio,
e ao pegá-lo, meio sem
jeito,
testei seu bico como
leigo,
era ágil e perfeito.
Haveria de carregar
direito
todo impregnado em meu
peito,
então, o despachei.
Fácil acreditá-lo, pois
o voar tantos km
seria bico pra um bico
a serviço do amor.
Assim, amanheci meu
dia,
despachando coisas
que só um coração
apaixonado faz.
A mensagem
simplesmente, dizia
- BOM DIA !!
Ao pombo, só disse:
- obrigada, pelo favor.
Por ele:
A Chegada...
O pombo aqui chegou
meio cansado,
meio triste e eu
perguntei a ele:
- O que te aflige,
pombo, foi o peso da carta que conduziste?
E o pombo respondeu,
ainda pousadinho em minha janela:
- Não, é que eu tanto
desejava na volta te levar para ela!
SINALEIRO DA COMUNIDADE
Damáris Lopes-
Na bondade que carrega
a turma da minha rua,
existe vermelho sangue
amarelo de amargura.
Na calçada desta rua
sob o velho pé de Ipê,
morte se esconde da lua
testemunha do porquê.
Meio fio, frio córrego,
vira brejo esquecido.
Mal sem base prolifera,
foi o tal do amor,
banido.
Nesta fossa à céu
aberto,
odor é dado menor.
A janela sem tramela,
licença dada ao
bandido.
As portas desta rua
na verdade são
cortinas,
tão fracas se veem
nuas,
overdose, adrenalina.
Na maldade que carrega
o outro lado da rua,
existe vermelho sangue,
sinal verde para
tortura.
PALAVRAS MOLHADAS
Damáris Lopes -
Saem todas de mim, das
mãos, da cozinha onde ando
Do escritório onde
sento, do afônico telefone.
Saem ocas, toscas,
descafeínadas, subordinadas, inflamadas.
Saem todas e não me
calam, porque não me cessam.
Boca seca, tremedeira,
Saem palavras, saem
asneiras.
Palavras feito boias
nas corredeiras.
Palavras da garganta,
palavras travas da língua
Palavras de dentro do
peito, e de fora da gente
Descalças,
calcificadas, estranguladas, pedintes,
Doadoras, sem asas,
moradoras de rua.
Palavras são andarilhas
das bocas
Na boca do dia, na boca
da noite
São açoites, suaves,
apanham ou batem
Mas saem em filas
indianas
Espontâneas,
fabricadas, pacíficas, iradas
Mentiras plastificadas.
São seladas, educadas,
abertas,
São secretas.
São secas, asquerosas, inocentes,
são indiscretas.
Erros são as abstratas
Sempre concretas.
São tolas,
inteligentes,
Irracionais, inconsequentes,
afáveis
Imortais, áridas,
imorais
E, quando secas, enrugadas,
Eu as diluo na boca,
com bom
vinho
As embebedo e as
definho
Revelando-as palavras molhadas.
HORA CERTA DE PASSAR
Naldo Velho e Damáris
Lopes
Por calçadas, por
esquinas,
por outonos,
descobertas,
restos, folhas
ressecadas,
muitas lágrimas
abortadas...
Dizia o pai mais que
depressa:
filho meu não chora!
Muita pressão, pouca
conversa...
Fui criança inocente,
ousei sonhos, ganhei
prendas,
explorei noites de
inverno,
ruas, praças, chuva
fina,
colhi marcas,
cicatrizes...
Pra curar minhas
feridas
só com muita
aguardente!
Fui menino insolente,
macerei ervas
ardidas...
Quem mandou perder o
rumo?
Madrugadas indecentes
pelos becos desta
vida...
E o pai dizia sempre:
este menino só dá
trabalho!
Por caminhos inquietos
fui sem medos, fui sem
dono,
não tirei o pé do
asfalto,
rompi todas as
fronteiras,
fiz loucuras, fiz
besteiras,
por caminhos que eu nem
conto,
aprendi a viajar.
Se ainda hoje busco um
rumo
e não dispenso uma
demanda,
é por que tenho o
sangue quente,
mas bem sei onde pisar.
Desta vida conheço um
tudo,
lado manso, lado bruto,
hora certa de passar.